sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Morre Louk Hulsman


Passou quase despercebido no Brasil. Como já era de se esperar, afinal, um pensador como Louk Hulsman jamais "mereceria" uma nota no jornal nacional. Para o bem ou para o mal.


Em 29 de Janeiro de 2009 faleceu o professor Louk Hulsman; grande penalista e criminólogo. Hulsman nasceu em 1923 na Holanda e lecionava Direito Penal e Criminologia na Universidade de Rotterdam. Um dos grandes defensores do Abolicionismo Penal, Louk Hulsman influenciou uma geração inteira de pensadores críticos; seu clássico livro “Penas Perdidas – O sistema penal em questão” serviu de ponto de partida para outro livro clássico do pensamento crítico do sistema jurídico-penal: o não menos famoso “Em busca das penas perdidas - a perda da legitimidade do sistema penal” de Eugênio Raul Zaffaroni, o maior penalista latino-americano.

O pensamento abolicionista parte inicialmente da dúvida com relação à eficácia da prisão, alertando, como afirmou Hulsman, que o sistema penal nunca funciona como querem os princípios que pretendem legitimá-lo, a não ser de forma excepcional. A abolição do sistema penal é uma meta a ser atingida, mas para o próprio Hulsman, o Abolicionismo penal deve começar na própria pessoa. O agir e pensar libertário, cedo ou tarde, contestará e problematizará as práticas culturais punitivas, e, por conseguinte o sistema penal. A partir da desconstrução do Direito Penal retributivo que encontra na prisão sua base de punição, o abolicionismo propõe novas formas de solução para os problemas de natureza penal, considerando o fato de que a pena de prisão não produz qualquer efeito positivo, tanto no indivíduo quanto na sociedade.
O pensamento crítico da Sociologia e do Direito perde um extraordinário representante.


"Se afasto do meu jardim os obstáculos que impedem o sol e a água de fertilizar a terra, logo surgirão plantas de cuja existência eu sequer suspeitava. Da mesma forma, o desaparecimento do sistema punitivo estatal abrirá, num convívio mais sadio e mais dinâmico, os caminhos de uma nova justiça".


Louk Hulsman

O Spread nosso de cada dia

O Spread bancário é a diferença entre a remuneração paga pelos bancos quando captam o dinheiro no mercado e as taxas de juros que cobram pelos empréstimos. Ou seja, quando você pega dinheiro emprestado, o banco te cobra um valor a título de juros, e quando você deixa seu dinheiro no banco ele te paga um valor. A diferença entre o que o Banco paga te o que ele te cobra é o spread bancário. Não preciso dizer que o valor que o Banco te cobra é muito maior.

Esse é o Spread, em inglês para melhor disfarçar como manda o economês, essa mágica de pagar pouco e cobrar muito que faz a alegria dos Bancos e propicia os recordes de lucratividade à custa de quem não vive da especulação. Nenhum investimento permite ganhar tanto, em prazo tão curto, com tanta liquidez e pouco ou nada de imposto.

Segundo estudo do instituto de estudos para o desenvolvimento industrial (IEDI), a média do spread embutido nas taxas de juros brasileiras foi de 34,88% em 2008, a maior do mundo e 11 vezes superior à média internacional

O Banco Central aponta uma média de 26,54 % em 2008, número também altíssimo. De dezembro de 2007 para dezembro de 2008 o spread subiu de 22,34% para 30,60% segundo o Banco Central.

Segundo pesquisa da Fiesp que abrangeu 42 países, donos de 90% do PIB mundial, e analisou o spread de cada país comparando-o com o PIB per capta, o spread médio brasileiro deveria estar em torno de 4%, e não os incríveis 26% apontados pelo Banco Central.

Isso só vem confirmar a lógica do capitalismo financeirizado. Mesmo a inclusão de um limite para os juros na Constituição não funcionou. Os Bancos só querem encher o bolso, cada vez mais, ainda que com recursos públicos.

Os Bancos culpam a tal crise financeira pelo aumento do Spread, em razão da redução da oferta de crédito e da expectativa de aumento da inadimplência.

A crise começou no sistema financeiro, e esse mesmo sistema não assume as responsabilidades repassando a conta para que os outros paguem.

O argumento dos Bancos de que a inadimplência aumenta os riscos e deve ser levada em conta no cálculo do spread não procede, pois as instituições exigem sempre garantias para os empréstimos, que muitas vezes são contrapartidas maiores do que o próprio valor emprestado. Aliás, o aumento da inadimplência foi provocado pelos próprios bancos que a realimentam aumentando o spread. E mais, entre setembro e dezembro de 2008 o aumento da inadimplência foi de 10%, enquanto que o spread aumentou 16%.

Os juros e spreads brasileiros são os maiores do mundo em um momento em que todos os países estão reduzindo juros.

O povo continua pagando a conta da crise, e os bancos lucrando mais e mais.





“A farra especulativa é essa sangria patrocinada pelo Banco Central e pelo Ministério da Fazenda há quase uma década e meia, promovendo a financeirização da economia, isto é, a hegemonia do capital financeiro, na sua modalidade especulativa, sobre o conjunto da economia, do Estado e da sociedade. Assim, o Estado gasta mais com o pagamento dos juros da dívida do que com saúde e educação ou com a Previdência Social, arrecadando do mundo da produção e transferindo para o mundo da especulação. Grandes empresas investem mais na esfera financeira do que na produtiva. Milhões de pessoas trabalham para pagar suas dívidas com os bancos. Essa é a financeirização, apoiada no spread, ou melhor, na farra especulativa. Uma pequena minoria ganha com a farra, a grande maioria e o país, perdem.” Emir Sader

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Evo faz História novamente


No final do mês passado, pela primeira vez em 183 anos de vida republicana, os bolivianos foram chamados a participar de um referendo sobre a Constituição. Evo Morales, em 2005 foi eleito o primeiro presidente de origem indígena da história da Bolívia, vencendo no primeiro turno, algo que não acontecia há mais de 30 anos. Agora, em 2009, Evo consegue mais uma grande vitória, o povo boliviano disse SIM à nova Constituição.

Antes mesmo de proclamada a vitória do SIM, o povo já estava nas ruas comemorando. Todas as organizações internacionais, juntamente com a Corte Eleitoral Nacional, confirmaram a lisura do processo eleitoral.

Por aqui, a “grande mídia” segue seu discurso alienante; para O Globo, Folha, Estadão, etc. Evo Morales não passa de um ditador fascista. Além, é claro, de ser o comunista comedor de criancinhas.

Evo é Ditador por estar na presidência há longos três anos, eleito democraticamente e com ampla vitória. É ditador, pois em quase duzentos anos, cinco referendos foram convocados, dois deles em seu governo, de três anos.

Após a eleição de Evo a Bolívia erradicou o analfabetismo, foi o terceiro país da América latina (depois de Cuba e Venezuela) a conseguir tal feito; e por isso ele é fascista. Antes, milhares de pessoas não podiam entrar na escola por não terem documento de identidade, Evo ordenou que todos estudassem, com ou sem documentos. Quanto fascismo!

Evo também é Comunista comedor de criancinha, afinal, aumentou o poder dos indígenas que sofreram séculos de discriminação, nacionalizou atividades econômicas estratégicas (coisa que nós fizemos aqui há anos, mas que um certo governo neoliberal tratou de subverter) e ainda proibiu a criação de novos latifúndios, definindo que as fazendas devem ter utilidade econômica e social.

À multidão que se concentrou na Praça Murillo, em La Paz, para celebrar a vitória do SIM, Evo Morales proclamou:
“Aqui termina o Estado colonial. Acabou o colonialismo interno e externo. Aqui também terminou o neoliberalismo, assim como as riquezas naturais da Bolívia não serão mais propriedade de alguns senhores, mas de todo o povo boliviano. Aqui começa uma nova Bolívia com igualdade de oportunidades para todos os bolivianos"

Impossível ficar indiferente à isso.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

A arte de se fazer entender

No trem Japeri-Paracambi, em meio a rabiscos, nomes e desenhos, uma mão escreveu: “Eu amo a liberdade, por isso todas as coisas que amo as deicho livre; se voltarem é porque as conquistei, se não retornatem é porque numca tive.”

Estava acabando de transcrever essa frase quando ouvi uma voz vindo do outro vagão: - Bandido mata fiel na porta da igreja!! Passou um segundo e compreendi. Entrou o vendedor ambulante e completou sua frase: - Jornal Expresso 50 centavos! Jornal Expresso 50 centavos! Polícia quebra dez...
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Em Barros Filho, bairro onde moro na zona norte do Rio; moradores de três favelas próximas “desceram” e atearam fogo em um ônibus da linha 655(Pavuna - Saes Pena), após a saída de todos os passageiros. O ato, longe de ser uma atitude de terroristas como qualificaram os jornais, foi um protesto. Os moradores distribuíram vários panfletos no local e por toda a rua explicando os motivos do protesto. No papel A4 imprimido em computador e xerocopiado, que tenho guardado, constam os seguintes dizeres: “Rio. 06.02.09 Viemos através dessa ação pedir a atenção das autoridades e imprensa. Comunidades: Enternit, Joana Darck e Mata 4. Estamos sofrendo com a presença das melicias e as constantes ameaças pois oprimem e cobram taxas de segurança, residência, gás e net.”

As “autoridades e imprensa” não entenderam. Tanto a polícia quanto a imprensa afirmaram que a ação foi promovida por traficantes, e cujo motivo era desconhecido.
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Em Irajá, no “amarelinho”, outra mão escreveu em uma parede: “é proibido urinar, fumar e cheirar nesse local”.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Castelo do Corregedor e Fim da Hipocrisia

Recentemente um certo corregedor democrático está no foco da mídia e da população brasileira. Pelo fato de possuir um imóvel de determinadas característica peculiares muitos demonstram seu ódio em relação ao referido político e o acusando de ser ladrão, de sonegar impostos e as demais acusações usuais que já fazemos há muitos anos para os políticos que, mesmo assim, continuamos sempre elegendo. Claro que falo do castelo medieval do novo corregedor da Câmara dos Deputados - o senhor Edmar Moreira - inspirado nos castelos medievais. Vocês podem ver alguns fotos e outras informações do castelo aqui: <http://conscienciapolitica.blogspot.com/2009/02/o-castelo-do-deputado-corregedor-do-dem.html>. Afora o fato de o castelo parecer a locação de um filme pornô no estilo medieval (algo tipo Whorecraft para os entendidos do meio) - incluindo a tradicional piscina no jardim e 36 suítes com hidromassagem para possível transformação em motel caso o douto esteja precisando tirar algum -, das normais reações exageradas de certas pessoas que mais parece recalque do que indignação legítima (afinal muitos gostariam de ter o castelo do ilustre político) e da adega para oito mil garrafas de vinho, outra coisa me chamou a atenção neste caso.

Há muito tempo falamos o quanto nossos políticos são hipócritas. Há muito tempo falamos que os políticos se encastelam nas suas torres de marfim e ficam cegos aos anseios da sociedade. Há muito tempo falamos que os políticos se colocam na posição de senhores feudais e vêem seus eleitores como vassalos, tratando seus currais eleitorais como feudos. Pois bem, ilustríssimo apenas resolveu fazer a coisa direito. Em vez de enganar o povo com uma fachada de bom moço que pouco tem e muito trabalha (como vemos nas declarações de posses de candidatos que nos dizem terem apenas um Fiat 147), foi honesto quanto a sua cegueira.

Fez logo um castelo para deixar claro quem ele é. Um senhor feudal dos tempos modernos. Enchendo-se de dinheiro e coisas inúteis enquanto o povo não tem onde morar e o que comer - no melhor estilo Maria Antonieta "que comam brioche". Só faltou a ponte levadiça e o fosso para proteger a propriedade da horda de miseráveis que eventualmente vai tentar ocupar o latifúndio improdutivo (ou ao menos devia). Mas acho que para isso já deve ter uma companhia de segurança armada até os dentes que contrata policiais "fora de serviço" ou "de folga".

Devemos agradecer ao nobríssimo por ter retirado o véu da hipocrisia que vestem a maioria dos nossos representantes. Se todos seguissem seu exemplo, saberíamos logo com que estamos lidando só de olhar para o naipe da figura e suas posses. Assim, se víssemos alguém com um capitão do mato do lado e um chicote na mão era só dizer: "aí vai um empreendedor do agronegócio". Se víssemos alguém com um daqueles relógios de hipnotizar que vemos nos filmes, já saberíamos que aquele indivíduo era um publicitário. Se nos deparássemos com alguém vestido de Rambo, já saberíamos que era um policial saindo para fazer vocês sabem o que. Se víssemos um rapaz de terno com um tridente vermelho ou um rabo pontudo de mesma cor, era fácil: advogado de grande empresa. Se encontrássemos uma figura com uma estrela de xerife presa na camisa, já saberíamos que era o Eduardo Paes.

Além disso, os próprios edifícios seriam mais transparentes. Por exemplo, aquelas três estátuas que ficam de um dos lados do Tribunal de Justiça da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro mudariam para estátuas de Larry, Moe, and Curly (mais conhecidos como os três patetas). O prédio do Congresso Nacional em vez de ser composto de um prédio vertical e dois pratos (um para cima e outro para baixo) mudaria para um falo e suas duas respectivas companheiras, já que isto melhor representa o que eles fazem conosco. O Cristo Redentor em vez de estar de braços abertos sobre a Guanabara estaria sentado numa latrina fazendo o número 2. A sede das principais companhias de televisão seria gigantescos teatros de marionetes (adivinha quem são as marionetes?).

A lista poderia continuar indefinidamente, mas acho que já deu para ter uma idéia do bem que seria para todos se todos seguissem o exemplo do democrático Edmar Moreira. Falando nisso, os partidos teriam que mudar de nome. Por exemplo, os Democráticos poderiam manter a sigla DEM, era só tirar o 'cráticos' do nome. O PSDB poderia adotar o antigo nome do DEM. Ou talvez os dois pudessem se juntar e fundar o PISC (Partido da Igualdade Social é o Caralho) ou PEPNA (Partido Em Prol dos que Não precisam de Ajuda). O PT só precisa adicionar um 'ex-' ao nome por extenso. O PSTU podia se chamar PML (Partido do Mundo da Lua). O PMDB de PSG (Partido Saco de Gato). E a lista continuaria.

Mas já chega de niilismo por hoje. Camus dizia que o niilismo não é sobre desespero e negação, mas sobretudo sobre o desejo por desespero e negação. Porém, se é preciso caos na alma para fazer nascer uma estrela dançante - como dizia Nietzsche - então acho que um pouco da iconoclastia gratuita que nasce desse desejo faz bem.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Texto para uma comunicação que não aconteceu

Eu ia apresentar no Fórum Social Mundial alguns dos resultados do Tribunal Popular que aconteceu em dezembro último (mais informações em http://www.tribunalpopular.org ), mas a organização do FSM acabou marcando duas atividades no mesmo espaço e não tive tempo. Para que o trabalho em preparar a apresentação não seja vão, resolvi colocar aqui o roteiro que fiz - daí o tom por vezes verbal do texto, que é curto e breve pois a fala não poderia ultrapassar os cinco minutos. Não tem nada de novo ou diferente, mas certas coisas é sempre bom relembrar.

"A sessão do Rio de Janeiro realizada em São Paulo no final do ano passado tratou do caso do Complexo do Alemão. Uma chacina ocorrida num complexo de favelas da capital fluminense em 2007. A chacina em si será abordada pela minha colega, mas antes que possamos entrar neste tema temos que buscar entender que este é sim um caso paradigmático da forma que o Estado trata as comunidades e a questão da violência, mas é um exemplo apenas. Um caso dramático inserido num contexto maior e já antigo de criminalização da pobreza e tratamento penal das questões sociais.

Como marcos desta lógica podemos apresentar três mecanismos estatais: o mandado de busca e apreensão genérico, o auto de resistência e o "Caveirão"; todos presentes na Chacina do Alemão.

O primeiro é uma perversão policialesca do mandado de busca e apreensão, que é uma ordem dada pelo juiz para que se vá a determinado local recolher determinados objetos. Ou seja, é necessário que o mandado especifique seu objeto precisamente. No mandado de busca e apreensão genérico isto não é respeitado. A polícia ganha carta branca para atuar em uma ampla área, como o Complexo de Alemão, invadindo residências e violentando a comunidade.

Isto é feito supostamente em nome da segurança, como fica claro pela fala do Juiz de Direito Alexandre Abrahão Dias Teixera, que foi quem primeiro concedeu tal abominação. Diz ele: "este grito de socorro e justiça promovido pelo povo deve ser atendido com urgência e rigor (...) pelo Poder Judiciário, que consciente (...) da fragilidade dos cidadãos que se aventuram em denunciar o lixo genético que lhes amedronta, cala e mate (...) [O Judiciário] não pode simplesmente encastelar-se de forma alienada para discutir meras filigranas jurídicas." A filigrana jurídica seria o texto legal que determina que o mandado de busca e apreensão dever precisar seu objeto. Curioso que quando vemos um conjunto de famílias lutando por moradia digna a filigrana jurídica é muito bem discutida para impedir que se tenha acesso a um direito fundamental.

A segunda figura é a do auto de resistência. Este é o nome do documento registrado pela polícia no caso de morte de civis pela mesma em situações de confronto. Porém, ele por vezes acaba servindo para impedir que certas execuções sejam adequadamente investigadas.

Uma pesquisa de Ignacio Cano, pesquisador da UERJ, de 1998 que estudou especificamente os autos de resistência registrados nos anos anteriores nos mostrou que: 61% dos cadáveres tinham pelo menos um tiro na cabeça, 65% possuíam tiros nas costas e havia 40 casos de disparo a queima-roupa. Todos estes são sinais de possível execução, o que demandaria um investigação mais apurada destes casos.

O mesmo autor apresentou outro estudo, deste vez sobre o tratamento dado pela Auditoria da Justiça Militar no Rio de Janeiro aos casos de mortes por policiais. Dos 301 casos estudados, 295 foram arquivados e os restantes resultaram em absolvição a pedido do próprio Ministério Público.

Só para dar uma idéia: o número de autos de resistência passou de 397 em 1998 para 1330 em 2008, sendo que apenas as delegacias informatizadas fornecem seus dados para estas estatísticas e muitas delegacias de regiões altamente conflituosas não foram ainda modernizadas. Logo, os números devem ser bem maiores - afinal eles evidentemente também não contam as mortes por policiais não registradas.

Por último, nós temos o Caveirão, que é um automóvel militar blindado utlizado pelas Polícias Militar e Civil no Rio de Janeiro nas suas incursões às favelas. De dentro os policiais vêem ao seu redor e podem disparar contra quaisquer pessoas, porém não podem ser vistos por estas, impedindo, assim, que a população identifique aqueles que os matam.

O modelo original custava R$135.000, mas seu modelo novo - do qual já forma adquiridas nove unidades - custa R$460.000. Já temos também o Caveirão do Ar, um helicóptero que custou 8 milhões para os cofres públicos. Isto dá uma idéia do montante de dinheiro que é gasto na política estatal de extermínio num Estado onde saúde, educação, moradia e sanemanento básico ainda não são disfrutados por todos.

É importante lembrar que o Caveião possui altos-falantes que berram "vim buscar sua alma" enquanto o blindado invade as favelas e que o BOPE - um de seus maiores entusiastas - possui como grito de guerra a seguinte pérola: "Homem de preto, qual é sua missão? É invadir a favela e deixar corpo no chão."

Por último, cabe apresentar algumas frases de nossas autoridades a respeito da sua política de segurança.
  • Josias Quintal (Ex-Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro durante sua gestão): "Nosso bloco está na rua e, se tiver que ter conflito armado, que tenha. Se alguém morrer por isso, que morra. Nós vamos para dentro."
  • José Mariano Beltrame (Atual Secretário de Segurança Pública): "um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na [favela da] Coréia, no complexo do Alemão [nas zonas oeste e norte, respectivamente], é outra."
  • Ainda Beltrame, mas desta vez após uma operação que deixou 16 mortos na Vila Cruzeiro: "o remédio para trazer a paz, muitas vezes, passa por alguma ação que traz sangue" e "não se pode fazer um omelete sem quebrar alguns ovos"
  • Marcus Jardim (Chefe do 1º Comando de Policiamento de Área da Polícia Militar do Rio de Janeiro - após uma operação com 9 mortos em maio de 2008): "Conhece o produto SBP? Tem o SBPM. Não fica nenhum mosquito em pé. A PM é o melhor inseticida social."
  • Lula (Atual Presidente da República, ex-representante das classes populares e ex-político de esquerda): "Esse Estado será do jeito que a gente quiser que ele seja. (...) tem gente que acha que é possível enfrentar a bandidagem com pétalas de rosa."
Ora, se o Poder Judicário apóia esta política através da utilização do mandado de busca e apreensão genérico e da conivência quando do julgamento de casos de violência policial; se o Ministério Público sistematicamente arquiva este tipo de caso e nada faz frente a chacinas como a do Alemão; se a polícia pela sua prática cotidiana e gritos de guerra é o executor final do chacínio já programado; e, por último, os políticos e secretários estatais com suas declarações fomentam a isto tudo com sua declarações infames, o que temos é uma política de segurança pública? Não, pois o público é o interesse coletivo, a vontade popular e não o que é definido nos gabinetes governamentais a portas fechadas. O que temos é uma política de segurança contra o público, contra o povo, que é a principal vítimas destas arbitrariedades.

Temos sim uma política estatal que fomenta o extermínio das classes pobres. Classes estas que eles querem que sejam classes subalternas, mas que se recusam a aceitar esta imposição e a luta dos familiares aqui presentes é um exemplo deste enfretamento. Eles, assim como todos nós que acreditamos na possibilidade de mudança desta realidade cruel, não nos curvamos a este Estado assassino e continuamos lutando pela Justiça que o Estado tanto nos nega.

E nossa luta não será em vão e nossas vozes não serão caladas, pois enquanto não houver justiça social para todos, não haverá paz para eles."