terça-feira, 4 de agosto de 2009

Nem tudo na vida tem preço?

Acredito que todos vocês estejam familiarizados com a campanha publicitária do Mastercard. Aquela que, teoricamente, estaria afirmando a não monetarização de certos aspectos da vida contemporânea. Assim, nestes tempos em que tudo parece estar à venda, ainda teríamos alguns redutos de genuína afetivadade e interação "à moda antiga", pois certas coisas "não tem preço". A proposta da propaganda seria demonstrar como a companhia de cartão de crédito se solidariza com esta visão, mostrando que ela entende que seu papel é subsidiário na busca por um vida melhor, apenas providenciando o acesso facilitado a certos bens materiais, enquanto que a verdadeira felicidade não estaria nos produtos adquiridos, mas sim no resultado final, que transcenderia qualquer tentativa de apreensão mercadológica. Assim, o Mastercard passa a imagem de uma operadora de cartão de crédito com coração, diferente das demais, que apenas pensam em lucro e dinheiro.

É evidente que ninguém acredita nisto. A intenção não é que o espectador "compre" esta imagem acriticamente, mas baste que se tente passar algo - mesmo que apenas no plano inconsciente - para que o efeito propagandístico de alguma forma possa ser alcançado. A verdade é que, via de regra, você concorda que aquelas coisas não tem preço, mas isto não faz você querer ter um Mastercard (pelo menos não faz se você não for um(a) complet@ idiota). Porém, quero propor uma leitura diferente da propaganda. Talvez a intenção até seja que alguma besta se solidarize com a operadora de crédito, mas acho que há uma mensagem de fundo muito mais perversa, que pode ter sido colocada ali consciente ou inconscientemente pelos criadores da campanha.

Vou começar com um exemplo:














Não sei se dá para ler, mas o texto é o seguinte:
- Comprinhas na rótisserie R$55
- 1 garrafa de vinho tinto R$45
- 1 vestidinho novo R$120
- Ele te ligar no dia seguinte

Seguindo a lógica oficial, a propaganda estaria dizendo que o Mastercard apenas pode te ajudar a comprar vestidos, vinhos e o que quer que seja que você compra numa rótisserie, mas "ele te ligar no dia seguinte" já é outra história. Para isto, não há preço.

Porém, acho que podemos ler a mesma propaganda de forma absolutamente inversa. O que ela está dizendo é que ele te ligar possui sim um preço. O preço é que você tenha comprado o vestido, o vinho e o resto. A parte inicial da propaganda não está para fazer um contraste com o final. Muito pelo contrário. Ela dá a impressão de ser o caminho a ser percorrido para se chegar até o objetivo final e como este caminho custa, o objetivo tem sim preço.

Outro exemplo, mas desta vez infelizmente sem foto:

Computador R$1000
Livros e apostilas R$130
A emoção de passar no vestibular - não tem preço

O que temos, na verdade, é a equação: computador + livros e apostilas = passar na vestibular. A mesma lógica se dá em muitas das outras propagandas, como numa onde um cara esta viajando de balão e cai no meio do nada, mas como ele tem o Mastercard consegue comprar várias coisas e ir em várias festas. Ao final a mensagem: "voltar para casa cheio de histórias não tem preço".

O mesmo com uma outra onde um rapaz fica preso fora de casa pelado só com o Mastercard (insira aqui você sua piada sobre onde ele guarda o cartão) e, por isso, compra roupas e se alimenta. Ao final a mensagem: "ter dinheiro no bolso, mesmo quando não tem bolso, não tem preço"

Estas duas últimas evidenciam ainda mais a tese acima, pois é claro que o final só é possível graças ao Mastercard. Assim, ele é o possibilitador de experiências que não tem preço, logo o preço destas experiências é ter o dito cartão e gastar dinheiro comprando as coisas que te dão acesso a esta experiência mágicas "que não tem preço". O mais curioso é que estes dois últimos exemplos foram tirados de uma campanha que o próprio Mastercard fez na qual ele pedia que os consumidores contribuíssem criando suas próprias histórias. A operadora, então selecionou algumas, e eu destaquei as acima. Assim, o efeito oculto da campanha publicitária aparece de forma mais manifesta na tentativa dos alvos da propaganda de reproduzir sua lógica, o que corrobora a tese de que de fato há este efeito subversivo (no mal sentido) da campanha publicitária em questão.

Em suma, a campanha do "não tem preço", ao invés de estar afirmando que o dinheiro não compra tudo, acaba - intencionalmente ou não - produzindo o efeito contrário ou ao menos se insinuando na direção oposta: tudo tem preço, basta que você compre determinadas coisas que você conseguirá chegar onde quer; seja para conseguir que aquele cara te ligue, seja para passar no vestibular, seja para unir a família (outra propaganda onde todos da família moram em países separados e o preço das passagens aparece, mas passar o natal junto "não tem preço").

Talvez isto tudo seja apenas um delírio neurótico da minha parte - na verdade a premissa não foi criada por mim, eu apenas lembrei que algumas pessoas já tinham levantado esta hipótese e resolvi tentar escrever algo mais ou menos coerente -, mas acho que, ao menos, levanta alguma reflexão.

8 comentários:

Diogo disse...

Pelo visto o blog voltou das férias em grande estilo..rs

Pow eduardo, não tinha pensado nisso até você me falar. Faz muito sentido mesmo. A dúvida agora é a mesma que temos em relação à maioria das mensagens subliminares: foi proposital ou não?
Nesse caso, me parece claro que sim.

CHRISTINA MONTENEGRO disse...

OK; refletir, estou refletindo.
Aí me vem a pergunta: neste planeta, neste momento, nesta humanidade plural que aí está do jeitinho que está (que ou a gente ama ou não - e eu prefiro amar incondicionalmente), existe almoço grátis?
O PREÇO colocado em coisas não me incomoda neeeeeeem um pouquinho; o que eu ESCOLHO e posso eu compro, o que me empurram ou não escolho NÃO compro, e vamos nessa.
O que me incomoda é O VALOR, se (ou quando) ele é levado em conta: valor do OUTRO, da vida da Vida, da reflexão, etc...
Continuarei refletindo, ok?
BJS!

Arthur Rotta disse...

Essa ideia de que não existe almoço grátis é coisa de conservador. PAra um conservador tudo tem seu preço. inclusive já andaram inventando "amigos de aluguel" e etc...


No mais, a reflexão do texto é ótima. O fetiche da mercadoria, a mercantilização da vida... Tudo se compra. A ideia é por aí mesmo. Não é a toa que as pessoas se realizam em xópins.

Não é a toa que tem gente que viaje as cidades pobres do interior e se escandalize com a falta de xópins, méquidonaldis e coisas do genero, já saneamento básico, hospitais, bibliotecas...

E. disse...

Se deu a entender que estava dizendo que "não existe almoço grátis", eu me expressei mal. Tentei argumentar que este é, na verdade, o ponto oculto por trás da propaganda analisada. Em nenhum momento achei que estivesse eu, o autor, defendendo tal visão e se dei esta impressão, foi mal e valeu pela correção.

Anônimo disse...

Bom texto.

Se levarmos ao pé da letra a frase "não tem preço", a propaganda do cartão de crédito passa por leviana. Afinal, como você bem mostrou, o que supostamente "não tem preço", no contexto da propaganda, teria um preço: a soma dos preços dos objetos e serviços que formam o trajeto até chegar ao que não tem preço.

Por outro lado, parece-me - corrija-me se eu estiver errado - ser possível interpretar "não tem preço" como uma expressão de sentido próximo a "tem valor muito maior do que o que você gastou para conseguir". "Não tem preço", nesta hipótese, seria uma simples figura de linguagem. Assim, o fato de a menina ligar no dia seguinte "tem valor muito maior do que os R$ 300,00 (exemplo), dentre outras coisas, gastos para conquistá-la".

Aliás, quem nunca ouviu "não tem preço" ou "impagável" em contextos nos quais seria possível estipular um preço? "O show do fulano foi impagável"; "não tem preço tomar uma cerveja com os amigos na sexta depois do trabalho"; e por aí vai.

Acho que é uma questão de ponto de vista. Não sei se é pertinente a discussão subliminar vs. liminar.

Diogo disse...

Bem Pablo, acho que esse entendimento é o que a propaganda quer passar, da figura de linguagem. O que o Eduardo tentou mostrar é o que estaria por detrás disso, subliminarmente. E acho que é uma interpretação razoável. de fato, não dá pra saber o que eles realmente querem com a propaganda, somente presumimos. E por isso concordo que possa ser uma questão de ponto de vista.

Unknown disse...

Brilhante texto. Posso fazer um control c + control V pro meu blog, dando o devido crédito?

E. disse...

Claro que pode!