quinta-feira, 18 de junho de 2009

Das Drogas e do Afetivo

Nos comentários do texto abaixo surgiu a questão das drogas poderem criar um estado alterado na mente da pessoa que faria com que ela causasse danos a alguém, o que, em tese, justificaria uma restrição na sua disponibilização. Em parte, eu discordo.

Primeiro, o mesmo vale para o alcóol, logo a única restrição que deveria haver para as drogas seria a que existe para este entorpecente lícito, ou seja, a restrição etária. Seguindo esta lógica, os maiores de idade deveriam poder se drogar a vontade.

Mas aí surge outro argumento, as drogas são muito mais pesadas que o alcóol, daí a necessidade de maior controle. Isto não vale para todas as drogas (maconha por exemplo não é necessariamente mais forte que o alcóol e nem cria tendências agressivas como a bebida faz). Ademais, teria que haver uma gradação das drogas, o que simplesmente volta ao mesmo ponto, que é discriminar aquelas que gostam de algo um pouco mais intenso, digamos assim.

No fundo a questão é bastante simples. Podemos restringir liberdades individuais baseando-nos em potencialidades e virtualidades? Pois o argumento que a droga pode gerar tendências violentas ou contrárias à moral social está sempre necessariamente baseado na resposta afirmativa a esta premissa.

Supondo que você diga que sim. O que fazer, por exemplo, com o carro? Mais pessoas morrem em acidentes automotores do que em questão relativas ao uso de drogas (ao uso, pois a violência inerante ao comércio varejista da droga não existiria com a legalização, logo esta cifra não deve ser computada), deveríamos então proibir os carros?

Um utilitarista poderia dizer: "Claro que não, pois os carros são uma necessidade da vida moderna e eles trazem benefícios ao homem muito superiores do que as drogas." Evidente que isto não é um argumento suficiente para se restringir a liberdade individual, mas mesmo que fosse é falso.

Nas palavras, má traduzidas, de um comediante falecido norte-americano chamado Bill Hicks: "Eu acho que as drogas fizeram coisas boas por nós. Se você não acha que as drogas fizeram coisas boas por nós, me faça um favor. Vá para casa hoje à noite e pegue toda a sua coleção de discos, fitas e todos os seus CD's e os queime. Porque, você sabe todos estes músicos que fizeram toda esta música maravilhosa que encanta nossas vidas ao longos dos anos? Muuuuuuuuuito altos de drogas." (http://www.youtube.com/watch?v=J10w3FuCwfQ)

Talvez não todos os artistas, mas pelo menos uma parte considerável deles. Seja no rock, no jazz, no samba, na música eletrônica ou em diversas outras, a verdade é que o uso de drogas sempre foi comum. Claro que alguns se destruíram por causa das drogas, mas por outro lado eles provavelmente nunca teriam produzido o que produziram se não fosse por elas. Você pode achar triste que alguém dependa de um entorpecente para produzir algo belo, mas o que você acha não importa muito. O fato é que isto ocorre já há algum tempo e não parece cessar.

Claro que isto não se aplica apenas à música, mas outras artes também tiveram e têm sua dose de adictos (para usar um termo da moda). Artes plásticas, teatro, literatura e outras mais também devem parte da sua produção à critividade entorpecida.

O carro pode trazer uma série de facilidades práticas e mundanas, mas as drogas (mesmo que utilizadas apenas pelos outros) nos abriu, ao longo da história da humanidade, toda uma dimensão de percepção da realidade, possibilitando uma visão e uma leitura lúdicas e afetivas do mundo que são contribuições muito mais importantes do que qualquer aparto técnico-científico poderia jamais poderia dar. As drogas lidam com as emoções e com a nossa forma de ver e sentir o mundo, abrem e fecham portas de compreensão e vivência que transcendem a simples dimensão do visto.

Eu pessoalmente não uso entorpecente lícitos ou ilícitos regularmente. Já tentei, mas não era para mim. E é aí que está a questão, as drogas trouxeram coisas excelentes para a minha vida, sendo que quem as usou nem fui eu! Foram os músicos e escritos que inspirados por sei lá o que produziram obras que me tocaram profundamente.

E aqui chego em um outro ponto bem distante que queria tratar, a questão do afetivo. No fundo a questão das drogas tangencia uma outra temática. A questão da afetividade. As drogas lidam com as emoções e a verdade é que o homem e a mulher parecem estar perdendo o contato com este lado da vida.

A vivência se monetariza e se submete a uma certa economia política do proceder, na qual se pode permitir-se levar pelas emoções, pois toda decisão deve ser um cálculo e todas possibilidades contraposta a um ideal de vida. Uma vida higiênica, confortável, ajudando o próximo (na medida do possível, que sempre parece usar uma régua bem curta) e desfrutando das comodidades da vida moderna.

Por mais cristã que vá soar esta afirmação (e juro que não nutro nenhum amor pelos cristãos), a falta de compaixão pelo próximo é um exemplo marcante desta insensibilidade. Quando não consigo ver no mendigo, no preso e no fudido em geral em igual, já perdi uma parte do meu contato com o afetivo.

Claro que você pode sentir ódio e temor desta gente, e estes não deixam de ser sentimentos (que por sinal não muito importantes em diversas situações), mas, no fundo, estou falando aqui de uma forma de amor e não de uma forma de repulsa.

O que se perde atualmente não são os sentimentos de ódio, raiva e medo. Pelo contrário, estes crescem a galope. O que se perde é uma valorizam do sentimento de comunhão, uma espécie de amor no qual não se espera nada em troca pois esperar algo em troca não seria amar o outro, mas sim amar a si.

Pode parecer meio estranho, mas acho que sofremos de uma falta de amor. De um amor verdadeiro e sincero, e não desta visão mercantilizada que vemos exposta nos televisores e livrarias. Por exemplo, um amigo me chamou a atenção para um livro 'De Volta ao Mercado', que busca instruir aqueles que acabaram de terminar um relacionamento na sua reentrada na vida de solteiro ou solteira. O que nos leva ao grau mais elevado desta síndrome que aqui trato. A falta de amor não se dá apenas em relação ao terceiro (afinal deste amor sempre houve falta), mas passa a contaminar a segunda pessoa, aquela com a qual supostamente nos relacionamos afetivamente.

O par é escolhido muitas vezes de forma instrumental. Por exemplo, "Pode ser feio, mas aí tem que ser rico. Claro que se for pobre, vai ter que ser bonito demais." Já tive que ouvir esta pérola de um grupos de garotas (uso o termo pois jamais poderia chamar isso de mulher). E o homem pensa de forma semelhante.

O último reduto do afeto seria a relação afetiva e esta também já sucumbiu às vezes do Mercado. O mesmo se dá, por vezes, também em relação ao sexo, que, nas palavras de Zizek, muitas vezes é apenas uma masturbação recíproca. Nada contra a masturbação. Ela cumpre uma importante função na sociedade contemporânea, mas quando as duas coisas se igualam demais algo de errado ocorreu no percurso.

Aquele lema dos anos 60 de "Faça amor. Não faça a guerra." é de suma importância hoje em dia. Travamos inúmeras guerras e batalhas na nossa vida cotidiana. Algumas são justas, mas a maioria nem tanto, sendo que as deles nunca são. Se entendermos a guerra como a força que busca racionalizar o irracionalizável (o que é uma definição adequada), a frase continua valendo e é mais talvez mais necessária do que nunca.

Nas palavras de alguém que não me lembro quem, o que precisamos no mundo é de mais e melhores drogas e mais e melhor sexo. Não é exatamente isso que queria dizer, mas está próximo o suficiente.

Por outro lado, praticamente toda droga (lícita ou ilícita) faz parte de uma lógica de mercado e de uma cadeia produtiva que apenas fomenta a barbárie e a exploração do homem pelo homem, o amor é uma invenção cristã e o sexo é na maioria das vezes um ato de narcisismo e egocentrismo, então de repente não tem tanto a ver o que falei.

2 comentários:

Arthur Rotta disse...

Boa! soube que o FHC tá defendendo a legalização da maconha?
Pode ser que se a esquerda e os tucanos se juntem de pra fazer alguma coisa.
PAz e Amor!

Mauro Sérgio Farias disse...

A questão real, na qual ninguém toca, é sobre o tipo de sociedade em que vivemos, onde a realidade sem drogas é absolutamente insuportável.

É isso aí, na luta novamente.