sábado, 16 de maio de 2009

A revolução de Jacques Prévert

há um poeta imóvel

no meio da rua.

não é anjo bobo

que vive de brisa,

nem é canibal

que come carne crua.

não vende gravatas,

não prega sermão,

não teme o inferno,

não reclama o céu.

é um poeta apenas

sob seu chapéu.

à sua volta, o trânsito

escorre, raivoso,

e o semáforo muda,

célere, os sinais.

mas o poeta não sai

de seu lugar. jamais.

diz um padre: - “é pecador.

blasfemou, praticou

fornicação, assalto.

por castigo ficou

atado ao asfalto.”

diz um rico: - “é anarquista,

que mastiga pólvora,

que bebe cerveja

e espera a explosão

da bomba sobre a igreja.”

diz um soldado: - “ é agente

de potência estrangeira.

aguarda seus cúmplices,

ocultos em algum

lugar desta ladeira.”

diz um doutor: - “ é vítima

de mal perigoso.

está paralítico,

ou talvez nefrítico,

ou então leproso.”

ante notícias

tão contraditórias,

há queda na bolsa,

pânico na sé.

cai o ministério,

e foge o doutor,

o padre, o soldado,

o rico, o ministro,

o governador.

sem donos, o povo

livra-se de impostos,

sem padres, o povo

livra-se da missa,

sem doutores, o povo

livra-se da morte.

as ruas se animam

de vozes, de cores,

de pessoas, pregões,

abraços, canções.

e, no meio da rua,

sob seu chapéu,

sob o azul do céu,

o poeta sorri, completo,

feliz.

José Paulo Paes

5 comentários:

kahmei disse...

e a poesia trouxe o poeta
e o poeta sentiu a vida
o resto
é festa
dor
e amor..

Arthur Rotta disse...

Muito bom, parabens ao autor!

Lara disse...

Que poema lindo...
Gostei muito daqui, vou voltar sempre, parabéns!

CHRISTINA MONTENEGRO disse...

Ótimo!
BJS!

Marcelinho Mavambo disse...

Maravilhoso, necessário!