sábado, 15 de novembro de 2008

Série Perguntas 1 - Loic Wacquant

Política penal, um instrumento de mercado?

Os ideólogos dizem que esse encarceramento em massa reduziu a criminalidade, mas os dois fatores não têm relação alguma. A política penal tornou-se autônoma, seu discurso desvinculou-se da questão do crime para funcionar como instrumento de regulação do mercado, da mão-de-obra desqualificada, e de cunho ideológico, simbólico, reforçando a discriminação contra os pobres, os negros, fazendo-os crer que estão em situação social inferior por conta de sua própria incapacidade.

O Estado penal americano gasta mais de 50 bilhões de dólares em prisões e gera um custo social gigantesco, desestabilizando bairros pobres, rotinizando a presença da polícia. Hoje, ser preso é um fato banal nos bairros pobres americanos. Desenvolvi um trabalho de campo numa academia de boxe de um gueto negro americano em Chicago. Certo dia, os colegas estranharam a ausência de um dos alunos mais dedicados, e o treinador, tranqüilizando-os, disse que não havia acontecido nada, apenas ele tinha sido preso – como se dissesse que ele fora comprar pão na esquina! Se a prisão é banalizada, doses cada vez mais fortes serão usadas para obter o mesmo efeito.

Dentro das prisões a situação também vem piorando. Os Estados Unidos, com essa política, em 1980 passaram a precisar de uma nova prisão de mil lugares por semana. Assim, por uma razão prática, tiveram que entregar sua construção, e todo seu projeto e administração, ao setor privado, o que antes ainda atende a um motivo ideológico, o de privatizar todos os serviços possíveis e anular cada vez mais o Estado. O setor privado reduz até a comida para cortar gastos e aumentar o lucro. As prisões, que já eram desumanas, agora se tornam inumanas.
A reabilitação de presos deixou de ser um objetivo do sistema, não dá lucro. A única função do sistema carcerário americano atual é punir, punir para que o criminoso “sinta na carne” o mal que teria causado, ou para mantê-lo afastado das ruas. Na verdade, por que se encarcera? Por medo e por desprezo ao pobre. A prisão promete a falsa solução de tornar invisíveis os problemas sociais, mas na verdade ela os concentra e agrava.

Trecho de uma entrevista publicada no jornal francês, Le Monde.

Loic Wacquant é sociólogo e professor da Universidade de Berkeley.

Um comentário:

Mauro Sérgio Farias disse...

No livro do Michael Moore (stupid white men) ele descreve o caos das prisões privatizadas dos EUA, um negócio bastante lucrativo para as empresas.

Por conta das reduções de custos, elas economizam em guardas e equipamentos de segurança. Isso aumentou o número de rebeliões exponencialmente.

Como a polícia era sempre obrigada a iintervir para conter as rebeliões, o Estado começou a multar as empresas em caso de rebelião, para tentar obrigá-las a ser menos negligentes.

O tiro saiu pela culatra. As empresas, para fugir das multas, começaram a não acionar o Estado nas rebeliões! Guardas morriam, presos morriam, visitantes morriam e ninguém chamava a polícia. Eles chegavam a cúmulo de dizer ao telefone, que estava tudo calmo, mesmo com o barulho da rebelião ao fundo!

Pois é, ainda tem gente que defende mais repressão, mais prisão, mais punição